domingo, 16 de agosto de 2009

1,66

- Seduzir uma mulher - disse Bertlef descontente - está ao alcance do primeiro imbecil. Mas também é preciso saber romper; é nisso que se reconhece um homem maduro. Kundera.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

E ao coração que teima em bater...


Apenas o fim (de Matheus Souza) é um filme bastante simpático, a começar pelo cartaz ali em cima - que bonitinho! A história é mais ou menos assim: a namorada de Antonio decide ir embora e por isso deve terminar o namoro. O término se daria em somente uma hora - esse foi o tempo que ela reservou para falarem sobre qualquer coisa que tenha relevância ou não, antes de partir. A conversa, que acontece na faculdade, é intercalada com flashbacks em preto e branco em que o casal está numa cama discutindo sobre os mais variados assuntos.
O filme vale a pena pelas boas risadas que o indiezinho, dono de sacadas inteligentes, garante. A namorada é muito chata, para ser bastante direta. Ela se configura no clichê em pessoa, aquele mesmo, que sobe em murinhos e brinca de se equilibrar - da maneira sexy&infantil - e diz frases como "eu quero mudar o mundo" - toin. Pensei: putz esse cara tão legal se deixou enganar por essa bobona só porque ela é bonita. Mas, continuando...
O que eu mais gostei no filme é do que o título já adianta: o fim é aquilo ali, não vai ser necessariamente grandioso, o mundo não vai parar porque você está triste, a tia da cantina não dá a mínima se você perdeu o amor da sua vida. Uma pessoa escreveu uma vez um negócio que gostei bastante: Fiquei ali muito tempo, esperando o bote salva-vidas ou algum remo que me resgatasse. Dessas tragédias tão cotidianamente pequenas, que não diminuem o brilho do céu, muito menos impedem que as luzes dos televisores se apaguem nas salas de famílias também infelizes, os pequenos naufrágios que não se tornam manchetes nem estampam foto na primeira página – tudo isto passava pela minha cabeça: que o tempo não ancora em porto algum, e até mesmo os navios mais bem construídos perecem.
Antonio pede para deixá-lo ao menos ficar ali, sentadinho, vendo-a partir. E os carros na rua continuam se passando...


I don't wanna waste your time,
I don't wanna waste your time.
I just wanna say -I've got to say,
We worked hard, darling
We don't have no control
We're under control
I don't wanna do it your way,
I don't wanna do it your way.
I don't wanna give it to you, your way,
I don't wanna to know...
I don't wanna change your mind,
I don't wanna change the world.
I just wanna watch you go by.
I just wanna watch you go by.
We were young, darling
We don't have no control
We're out of control
I don't wanna do it your way,
I don't wanna do it your way.
I don't wanna give it to you, your way,
I don't wanna to know...
I don't wanna change your mind,
I don't wanna waste your time.
I just wanna know you're alright.
I've got know you're alright;
You are young, darling
For now, but not for long
Under control.
(Under Control - The Strokes)

Ao som de: Pois é - Los Hermanos

Afinidade de almas

Sobre Lotte:
Via-se unida para sempre a um homem de quem conhecia o amor e a fidelidade, a quem também amava de todo o coração, a um homem cujo caráter tão sólido e digno parecia ter sido criado pelo céu para garantir a felicidade de uma mulher honrada; sentia-se que ele seria sempre para ela e para os seus. De outro lado, Werther tinha-se-lhe tornado tão caro, a afinidade de suas almas se manifestara desde o primeiro momento! A convivência longa e frequente, os incontáveis momentos que compartilharam emoções tão diversas, deixaram marcas indeléveis em seu coração. Habituara-se a partilhar com ele todos os sentimentos, todos os pensamentos, e a sua partida pareceu abrir em toda a sua existência um vazio que nada poderia preencher.

Sobre Albert (marido de Lotte), por Werther:
Falta-lhe aquilo que faz com que nossos corações batam em certas passagens do livro favorito, em perfeita sintonia.

Com quantas pessoas teremos essa correspondência de emoções, essa conexão? Eu acho que o número oscila entre 0 ou 1.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

8 de agosto

Raramente as coisas neste mundo oferecem uma alternativa bem marcada; os próprios sentimentos e maneiras de agir apresentam nuances variadas como as gradações entre um nariz aquilino e um nariz chato. (...) Pode-se, acaso, exigir de um desgraçado, cuja vida se extingue pouco a pouco sob a ação surda e lenta, mas irresistível, da doença, que ponha termo imediatamente aos seus sofrimentos com um golpe de punhal? O mal que consome as suas forças não lhe retira ao mesmo tempo a coragem para se libertar dele? (...) Sim, Wilhelm, sinto, em certos momentos, a coragem de atirar fora o fardo que me esmaga e, bem... se eu soubesse para onde ir... iria imediatamente. Goethe.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Crying nobody knows, nobody knows my pain

Cat Power está (é) linda e triste, e aí confunde-se com a vida de quem a sabe ouvir. Nessa noite, tudo vai acabar com “Anjelitos negros” - triste como só pode ser triste uma música cantada pela Cat Power.
Depois, num bar do Leblon, Chan, quase sem voz, vai me dizer que não entende o Brasil. Eu vou responder com banalidades e enfim confessar que tampouco entendo como uma mulher tão bonita pode ter tanta solidão dentro de si. De madrugada, entre uma recaída de caipirinhas, ela vai dizer que não é nada disso, que não é solidão e sim algo que perdeu: “eu perdi alguma coisa dentro de mim há muito tempo e essa coisa é o que eu tento cantar”. Antes que eu pergunte o que é, ela vai responder: “eu não sei o que é”, e a noite terminará sob goles de suco de maça com abacaxi na outra esquina.



Enviado pelo pianista, guitarrista, xilofonista da minha banda.

You're not the angel that I once knew

O Globo Repórter de sexta passada tratou daquele assunto que todo mundo já está cansado de ouvir, de falar e de, infelizmente, sofrer: infidelidade. A reportagem foi basicamente o mais do mesmo. O que chamou minha atenção foi a história de uma jornalista norte americana que viajou pelo mundo para estudar esse problema universal. Uma das curiosidades que essa minha colega de profissão contou é que na Rússia a mulher pode começar a desconfiar do marido quando ele passa a cantar no chuveiro haha.
Ela fez uma comparação entre a traição aqui no Brasil e em seu país de origem e (por favor, façam cara de surpresa) ficou embasbacada com a trivialidade dessa atitude aqui - a infidelidade acontece em cada esquina e isso pode ser visto como triunfo ou promoção, em certos casos. Nos EUA, ela diz que é bem diferente, o traidor, na maioria das vezes, não conta nem ao melhor amigo (talvez por isso, lá, os detetivas particulares sejam mais requisitados; os brasileiros são alvos fáceis, deixam muitos rastros). A proporção é bem menor em relação ao Brasil, nas palavras dela: nos Estados Unidos quando duas pessoas se casam, a festa acabou; no Brasil, a festa continua. Também passou pela sua cabeça ir embora daqui? haha.
O engraçado é que, ainda que não seja tão comum nos EUA, o assunto é altamente explorado no cinema, por exemplo, o que nos induz a pensar justamente o contrário; e quando falo explorado é porque a infidelidade não está ali como mero pano de fundo ou assumindo um papel secundário. Não quero dizer que é uma exclusividade norte americana, claro que não, mas talvez toda essa abordagem seja exatamente porque essa realidade ainda é vista com grande estranhamento.
Um outro ponto que o Globo Reporter tocou é na nova maneira de traição: a virtual. No programa ainda havia uma discussão se uma relação cibernética é um ato de infidelidade (se é que podemos chamar aquilo de discussão já que não vi nenhuma pessoa na reportagem falando o contrário). É sim traição e é, sem dúvida, a mais patética. Não dá pra saber se sentimos raiva ou dó de uma pessoa assim porque apelar para internet quando se tem uma pessoa de verdade ao seu lado é digno de pena. Essa pessoa de verdade pode ser ruim, feia, burra, chata, mas ainda é de verdade (lembra das comidas chinesas?) e se não está satisfeito com ela, sugiro que termine e procure outra, que seja boa, bonita, inteligente e legal, mas principalmente real e palpável. Isso é mais bonito, ao meu ver.
Já ouvi diversas justificativas de traição, mas nenhuma como essa do livro do Kundera. Klima traiu (na verdade é bom por no gerúndio) sua esposa Kamila e está conversando com seu amigo neste trecho:
- Amo minha mulher. É meu segredo erótico que a maioria das pessoas acha inteiramente incompreensível.
Era uma confissão tão comovente que os dois homens fizeram um minuto de silêncio. (...)
- Alguma coisa me empurra a todo momento para uma outra mulher; no entanto, a partir do momento que a possuo, sou arrancado dela por uma poderosa mola que me lança para perto de Kamila. Algumas vezes, tenho a impressão de que, se procuro outras mulheres, é unicamente por causa dessa mola, desse impulso e desse vôo esplêndido (cheio de ternura, de desejo e de humildade) que me traz de volta para minha própria mulher, a quem amo cada vez mais depois de cada nova infidelidade.
- De modo que a enfermera Ruzena só foi para você a confirmação do seu amor monogâmico?
- Sim - disse o trompetista.


E o Wilco canta pra gente:
There are dreams we might have shared and
I still care and I still love you
But you know how
I've been untrue

Soa estranho?

Hum, nem tanto.

domingo, 2 de agosto de 2009

And the devil called him by name

Abandone Crime e Castigo de Dostoievski e dê a mão a Woody Allen em Crimes e Pecados. É para esse lado que pende A Valsa dos Adeuses de Milan Kundera. Imposições da sociedade, valores, altruísmo. Esqueça isso tudo. O escritor tcheco desnuda o homem desde o primeiro e curto capítulo testando o nível de moralidade do próprio leitor - que se muito intransigente, vai encontrar grande resistência durante a leitura.

Um erro pressupõe uma punição. Mas e se alguém comete um crime perfeito, ele vai sentir a famosa consciência com dentes conhecida como remorso? É isso que Kundera e Woody sugerem: o homem tem sim a ciência de sua atitude, mas se ninguém o julgar e culpar (ou seja, descobrí-lo), ele não sentirá o peso, a dor de ter enganado, roubado, matado. O remorso seria então apenas uma consequência da descoberta da verdade ou da possibilidade dessa descoberta - aquele rastro que passou despercebido pelo culpado desatento e que o persegue; e se não necessariamente a verdade vai ser evidenciada e esse culpado vai ser punido, ele pode conviver pacificamente com o seu erro. E o homem sem remorso é capaz de tudo.
Maniqueísmo e certo e errado a parte, o que sobraria do ser humano? Personagens desse livro possuem caráter condenável. Mas será que atribuir esse "condenável" ao "caráter" não é uma hipocrisia? É como se Kundera atribuísse aos seus personagens a essência do homem (aquele que não foi contaminado pelas normas sociais) sem tirá-lo da sociedade. E essa pessoa despida do mínimo de moralidade é essencial e brutalmente egoísta. O livro narra com toda naturalidade atitudes que condizem realmente com os nossos desejos mais obscuros - aqueles que são vergonhosos até para nós mesmos. Isso seria uma vida que não obedece a nenhuma referência de certo e errado. E essa vida, esse homem são abomináveis. Suportaríamos tamanha sinceridade, o homem sendo o que ele é sem nenhuma interferência e regra social?
Essa dura constatação e perda de esperança em relação ao ser humano pode ser resumida em Jakub, personagem que foi torturado e esteve diante de imensas atrocidades que a humanidade é capaz, mas que não pode se eximir dessa cruel humanidade que condena. Esse horror às pessoas pode ser explicitado neste trecho em que Jakub argumenta por que não quer ter filhos:
Ter um filho é manifestar um acordo absoluto com o homem. Se tenho um filho, é como se dissesse: nasci, apreciei a vida e constatei que ela é tão boa que merece ser repetida. (...) Sei apenas uma coisa - é que nunca poderei dizer com total convicção: o homem é um ser maravilhoso e quero reproduzí-lo.
O personagem que mais se opõe a Jakub é Bertlef (casado, mas que se apaixona e se envolve por uma noite com uma outra mulher). É dele a única voz otimista dentro do livro. Ele é extremamente religioso e pode-se tirar disso que talvez a fé - no que quer que seja - nos torne pessoas mais felizes, com um apreço maior pela vida que nos foi dada.
E esse menino cresceu e disse aos homens que basta uma coisa para que a vida valha a pena ser vivida: amarem-se uns aos outros. Herodes sem dúvida era mais instruído e mais experimentado. Jesus era certamente um inocente e não conhecia grandes coisas da vida. Todo o seu ensinamento só se aplica talvez pela sua juventude e sua inexperiência. Se você preferir, pela sua ingenuidade. E, no entanto, ele possuía a verdade. (Trecho em que Bertlef discute com Jakub - lembrei da Tracy, Manhattan).

Diante de tudo que Kundera nos apresenta no livro, esse discurso de Bertlef parece inatingível. E talvez seja porque nem mesmo o amor escapa das misérias do ser humano.
Mas... não resta outra saída senão continuar caminhando even when it's cold and there's no music.