É isso aí:
O filme de Danny Boyle tem traços de extremo realismo, quase insuportáveis de ver, dentro de uma trama absolutamente implausível, e por cima disso vem uma calda de caramelo capaz de envergonhar qualquer novela mexicana. Implausível todo o interrogatório a que é submetido o personagem principal, por exemplo, na véspera de sua aparição decisiva num programa de perguntas e respostas da TV. Se quisessem tirar-lhe o prêmio, haveria maneiras mais fáceis do que tentar extrair dele uma confissão sob tortura numa delegacia de Bombaim.
Mais bizarro é o epílogo triunfal do filme, que imagino obedecer a alguma convenção de Bollywood: mocinho e mocinha, numa estação de trem, dançando uma espécie de “disco music” no estilo John Travolta; como conciliar isso com as realidades miseráveis, dramáticas, seríssimas, apresentadas no início? Será que, como nos programas de auditório, no fundo nada é para valer?
A implausibilidade de tudo tem, quem sabe, até um fundo religioso. Os mais inacreditáveis lances de sorte e de azar do filme no fim terminam explicados, no canto da tela, pela reprodução de uma frase várias vezes repetida pelo personagem: “era esse o meu destino”; algo como “estava escrito”, “maktub”. Ora bolas. Estava escrito, sim, mas por um roteirista de terceira categoria.
Desabafo de Marcelo Coelho.